O Sol da Meia Noite

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Submerso por uma névoa prateada, que nascia de um céu que apenas ameaçava chover, havia a sombra de um homem sem nome e sob destino traçado pela ingênua vontade de ser o que chamam de liberdade. Não havia sequer expressão em seu rosto, porém as fundas marcas apresentavam indícios de uma vida que, embora parecesse deveras frágil, endureceu-se pelas escolhas largas de quem a pôde – ou pelo menos pensou que podia – controlar. Em seus olhos, pendia-se a cor negra de um abismo que até ele se permitia perder-se. Eram como o fundo de um poço que nunca ouviu o som de suas águas sendo tocadas. Ele era só. Preso à sua sombra, havia a de uma bengala que parecia estar atrelada a seus pés e mostrava não suportar todo aquele fardo a que era submetida. Em si, carregava um homem e toda sua vida já vivida a duras penas. Suas passadas eram firmes e o conduziam de um lado a outro como se esperasse algo daquela imensidão de água que o cercava. Não havia ansiedade em seus olhos, apenas a urgência de que se pusesse mais uma vez o sol, como se aquele fosse o ritual de passagem para um outro tempo. As tábuas rangiam sob seus pés e seus gestos insinuavam bem mais do que qualquer palavra dita na hora certa. Sentado como enfim pretendesse se levantar e caminhar sobre as águas, dirigia uma espécie de cachimbo apagado à boca – e de fato não o pretendia acender, pois o que lhe importava era a maresia misturada ao fumo – e a esperava chegar de tão longe quanto parecia o outro lado do mundo, como numa viagem de meio dia. Seu porto seguro era o cais, e o vento a única voz afilada que se podia ouvir. Seus cabelos, antes levemente penteados, dançavam à forma das ondas que coreografavam rebeladas como anjos caídos. Sobre o casaco que lhe cobria os ombros, posou a garoa que, antes presa, finalmente se libertou da névoa que a prendia naquele lago celestial de cor de vinho tinto envelhecido. Havia um barulho no céu desbotado em cores negras, como se lhe quisesse anunciar boas novas. E foi então que ele soube que, naquela noite, ela não viria.

Inspirado numa única foto. (:

Por: Julya Tavares

4 comentários:

Lucas L. Rocha disse...

É uma pintura esse texto. Dá pra perceber a evolução nitidamente ao longo do tempo, e isso é sensacional. Não pare de escrever!

Equipe Controle Remoto! disse...

"Como pode Narciso amar alguém
Se seu amante é o seu reflexo
Só caso visse no outro um anexo:
Enxergar-se nos olhos de quem o admira"

...é bom demais ser algo COM você, Julya; Apreciador do teu talento, filho do cara da foto e aquele que responde sem saber o propósito:

- Como chamam mesmo quando o Sol fica até a noite?

Ah!Falando em falta de propósito - e, por sinal, de pergunta -, algo a te responder, pois não escrevo - nem sinto - e deixo de mandar: TE AMO!;)

Rogério D Lima disse...

Pitoresco!Muito bom, Julya.Beijos!

Equipe Controle Remoto! disse...

Certa vez, me contaram que perguntaram ao Chico: "Suas obras são baseadas em experiências reais ou num processo criativo?";por um lado, se ele cria, pior para sua biografia. Mas se viveu, sua capacidade é questionada.

Melhor que isso, você subverte: a vida vira poesia para ser vivida, não só escrita. Faz tão bem isso que vê uma foto e inventa uma vida. Como isso é difícil...

Parabéns, amor!=)