Ciclo

sábado, 31 de janeiro de 2009
Não há nada que eu queira dizer que já não tenha sido dito quatrocentas vezes, no mínimo.
Depois de muito criticar a repetição, vejo-me presa a ela, pois devo sempre resistir ao imediato ímpeto de começar com "mais uma vez".
Não há escapatória. Tudo é cíclico e, mesmo com renovações, resta no que há de vir um pó de já foi.
Cansei de ser interessante, o que tenho a dizer não mais me preenche. Cansei de brincar de ser gente grande.
Eu quero deitar no colo do meu pai pra receber cafuné; quero dormir sentindo o cheiro e o calor da minha mãe; quero redescobrir o sabor das jujubas em frente à TV. Quero de volta a minha infância perdida, meu tempo de doce inocência.
Eu quero os sentimentos que são meus por direito, o sorriso leve dos meus tão amados amigos.
Não quero mais sentir nada que me angustie tanto assim, nada que faça com que eu me julgue e condene por crimes involuntários... amor que dói...
As manhãs me sorriem, mas com um riso irônico, que diz: "Você cresceu, e agora, vai fazer o que?" . Eu choro e respondo: "Não faço idéia."
Eu não faço a menor idéia...

Por: Ana Carolina de Assis

Indizível

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009
E de repente eis que acordo assim: muda.
Os verbos desistiram de mim, todos reuniram-se numa única ação: calar, fazer calar.
As palavras desistiram de meus lábios, pois estes são eternos errantes.
Elas saem agora de meus poros; do cheiro que meus cabelos deixam no ar; dos insistentes sorrisos que ainda colorem meu rosto; de meus olhos, pobrezinhos, que tanto tagarelam em meio a tamanho vazio. Eles gritam, imploram por socorro, à procura de uma fuga de minha silenciosa alma.
Tudo está tão branco, tão brando, tão estranho, tão calmo... Perigosa calmaria que subestima as tempestades ruidosas, causam um naufrágio pior ainda: lento, frio, dormente - aquele do qual ninguém tenta salvar, pois não é capaz de interpretar a luz que persiste em irradiar dos olhos...
Todos estranharam-me, mas, presa, não pude expressar em nenhum idioma humano o que senti.
Algumas lágrimas escaparam-me, única fluidez que restou...
Parei de angustiar-me, enfim, pelo que não poderia de forma alguma resolver.
Espero agora pacientemenete por uma força impulsionante que seja capaz de sacudir todo esse vazio. Que do nada leve ao tudo. Que gere alguma vida neste monte de silêncio. Que destrua o marasmo e me traga para a vida que, é claro, jamais abandonou meu interior.

Por: Ana Carolina de Assis

21 de janeiro de 1969, quarta feira

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009
Era verão e o dia amanhecera lindo na cidade de Santa Ísis. A manhã se apresentou embelezada por uma névoa que mais parecia um tapete persa de cor branca. A maquiagem matutina era só mais um sinal de que o dia seria bastante quente. As altas temperaturas eram uma tradição naquela época do ano. O dia 21 de janeiro era marcado pelo início da temporada de chuva e término do período de seca. A padroeira, que tem o nome destinado à cidade, foi assim homenageada devido à estação em que estão marcadas as datas de seus milagres. Na época em que Santa Ísis era viva, a cidade do Sertão nordestino mostrava-se em tempos de seca, principalmente nessa época do ano. Foi onde, no dia 21 de janeiro, aquela mulher trouxe as estações de chuva de volta àquele lugarejo.
Logo que cheguei à cidade, deparei-me com as ruas já abarrotadas de atividades. Crianças aproveitavam o recesso escolar, enquanto os demais, adultos, expunham seu comércio a fim de arrecadarem sua renda diária. A cidade era pequena, mas, conforme a hora se passava, mais gente aparecia. No centro da cidade, próximo à praça, via-se barracas, quitandas, crianças, compradores, vendedores... Todos escravos de suas tarefas cotidianas. Ali, vendia-se de tudo. Havia, também, um chafariz enorme, onde as crianças se banhavam.
Eu morava em Palmares, cidade próxima a Santa Ísis. Eu me mudara para o lá há cerca de seis meses, devido a uma boa oferta de trabalho no jornal da cidade. Apesar da proximidade, nunca havia visitado Santa Ísis, até receber a oferta do meu patrão para fazer uma matéria sobre a festa da padroeira, na presente data. Aceitei o presente - pois foi assim que recebi a proposta - imediatamente.
A minha avó paterna fora nascida e criada na cidade visitada. Quando eu e meus irmãos éramos pequenos, lembro-me de que, na data da comemoração, ela nos sentava na varanda, diante de uma mesa cheia de bolos, pães e doces, e nos contava sobre sua cidade natal. Meus avós saíram de Santa Ísis logo após o casório, foram para a cidade grande em busca de melhores condições de emprego. Ao falar de sua tão amada cidade, a minha avó se deliciava com as lembranças. Era como se comesse algo de que gostasse muito e não o fazia há tempos. A cada lembrança, ouvia-se um suspiro singelo vindo de seu âmago. Ela degustava tudo aquilo com tanto gosto que, a cada ano, eu tinha mais vontade de conhecer aquele lugar. "- (...) as crianças se fantasiavam e os adultos faziam quitutes vistos apenas naquele dia do ano. A parte mais bonita era a hora da procissão. Toda a cidade jogava flores e mais flores na imagem de Santa Ísis (...)", ela dizia. Durante toda a minha infância, eu sonhei com aquela festa.
Para aproveitar o dia, perambulei por toda a parte que pude da cidade. Fotografei desde o ponto turístico, até a flor rara a qual eu não conhecia. A cidade estava movimentada, mas não havia sinal algum de comemoração, nem mesmo alguma faixa anunciando a, até então, tradicional festa. O relógio da catedral anunciava o início da noite. Eram seis horas da tarde e nada. Foi então, que eu decidi perguntar a alguém sobre a tradição daquele dia. Havia um senhor varrendo a sua calçada. Ele tinha o olhar triste, um jeito fechado, abatido. Parecia ter trabalhado muito no dercorrer de sua vida. O homem me informou que o representante do governo daquela cidade, havia vetado a verba para a festa, além de negar a autorização para mesma. Eu me apressei em viajar no próximo ônibus com destino a Palmares. Estava bem cansado. Me acomodei na poltrona e dormi (...)

Acredita-se que a autorização da tradicional comemoração foi recusada por um militar que se diz protestante. Sendo assim, homenagear uma santa é totalmente contra os seus princípios. Além disso, o governo militar anunciou, em cadeia nacional, o decreto de mais um Ato Institucional, o qual dava plena liberdade e autoridade à ditadura, sem qualquer interferência constitucional.

Caros leitores, convido-lhes a pensar sobre a história que se prestaram a ler nesse momento. Peço-lhes que perguntem a si mesmos o que eles querem conosco? O que esperam do nosso país? Tratam-nos como crianças levadas, que precisam ser colocadas de castigo, enjauladas e privadas de questionamentos. Aviso-lhes, pois, que crianças crescem. Crescem e querem saber os porquês dos castigos, e isso não tarda a acontecer.

Pedro Ubaldo Carneiro, 22 de janeiro de 1969

Prólogo
22 de abril de 1969, segunda feira.
(...) O jornalista Pedro Ubaldo Carneiro, redator do jornal Folha de Palmares, foi encontrado morto, três meses após ter publicado um desabafo às autoridades, no término de sua matéria. O colunista foi encontrado num terreno próximo à cidade de Santa Ísis, interior da Bahia. Supõe-se que o rapaz tenha sido preso dias antes, pois não sabia-se de notícias do mesmo. O corpo será velado no cemitério de sua cidade natal, às dez horas da manhã.

FONTE: O Nordeste, 22 de abril de 1969

"Caminhando e cantando e seguindo a canção. Somos todos iguais, braços dados ou não..." ♪

Por: Julya Tavares (: