Ensaio sobre a cegueira

sábado, 27 de setembro de 2008
Viva corretamente, segundo a lei dos que estão acima de você apenas por ironia do destino. Não se altere, ninguém pode contemplar-lhe a sinceridade do ser, é feio.
É feio ser humano, é feio ser falho.
Eis a questão: numa terra onde os habitantes fecham-se em seus casulos da ignorância, preferindo o não-saber ao conhecimento; numa terra onde o individualismo e a indiferença imperam; enxergar e compreender os que estão à sua volta é uma dádiva ou um tormento?
De que adianta o saber, o entender, se as suas forças são levadas na enxurrada de cegueira que o cerca?
De que adianta querer cuidar dos outros até o esgotamento se eles sequer vêem uns aos outros? Se eles sequer notam que você tem a luz de que eles precisam?
Em terra de cegos, quem tem um olho não é rei, é servo, escravizado pela responsabilidade pelos atos alheios, afinal, só ele viu, mais ninguém. Torna-se, querendo ou não, cúmplice da podridão que o envolve, já é parte disto.
Cansado desta eterna fadiga; preso nesta outra dimensão de cores e formas que vão se distinguindo por onde passa; senta-se e olha os seus semelhantes, e percebe que, infelizmente, está só em meio a muitos, por ter sido agraciado ou condenado pela visão.

Por: Ana Carolina de Assis

P.S.: Vejam este filme, é mára!

Busca pela Teoria do Gostar Profundo

segunda-feira, 22 de setembro de 2008
Durante a maior parte da minha vida, eu quis entender o significado daquilo que, por tantas vezes, ouvi soar com admiração: a palavra amor. Mentira. Na verdade, eu nunca me interessei por tal sensação. Sempre achei clichê – ainda que saiba da necessidade deles -, além de não acreditar no sentido sincero de algo tão paradoxal. Na minha concepção, não era possível um sentimento trazer consigo duas conseqüências tão divergentes: “Ou traz alegria, ou traz tristeza, oras!”. Mentira. Confesso que, por diversas vezes, procurei em dicionários, pesquisas científicas e até mesmo no Google o significado de tanta intensidade – aliás, quanta intensidade! - Mentira. Eu sempre achei que o amor é muito mais que teorias.
Há quem diga que o coração deve ser o grito mais alto na hora de tomar decisões amorosas. Discordo. Todas as atitudes e decisões devem ser tomadas racionalmente. A mente pensa corretamente, o coração é tolo. Desde que cresci – e isso não faz muito tempo – penso assim, e acho o certo assim. Então, se o amor nos faz agir com o coração, não pode ser certo. Certo? Assim: Há um relacionamento. De repente, já não há. Então, ficam as lembranças e objetos. Aliás, as lembranças e objetos devem ficar? Não. Dá-se um jeito de tirá-los de cena, não? Tudo bem. Não deve ser tão fácil assim. Não, eu não consigo compreender.
Sim, desconheço o amor. Mas, isso é algum descuido? Creio que não. Não desejar conhecê-lo já é um cuidado considerável. O amor acorrenta, liberta; o amor entristece, alegra; o amor tira o ar, devolve a vida; o amor é o mesmo, surpreende. Não adianta, é complicado demais pra se explicar. Vai além do entendimento, eu diria.
O amor é diferente para cada um. É um a cada outro. É outro a cada um. O amor tem a mesma forma, voz e sabor. O amor tem a mesma cor, som e música. É a novidade obsoleta. O amor é mesmice.
... E olha que eu não conheço o amor. Talvez, um dia, eu o entenda, o encontre, o conheça na pele... Talvez eu o sinta. Mas, se eu puder moldá-lo, gostaria que... – “O amor tem razões que a própria razão desconhece.” – Espera! Se houver razão, ainda assim será amor?

Confuso como o amor. (:

Por: Julya Tavares

Voando...

domingo, 21 de setembro de 2008
Pensamentos passam por mim e continuam uma trajetória sei lá para onde; levando ao mundo inteiro, como uma revoada de pássaros, um pouco mais de graça. Universos paralelos vão formando-se ao meu redor, como se, a cada lugar que eu pisasse nascesse algo novo, algo vivo, a minha própria vida criando seu traçado, traçando-se a si mesma, fora do meu controle, acima de qualquer lógica humana, acima de nós.
E assim, os acontecimentos vão passando como um fio, como uma teia muito frágil, que, ao mínimo toque, vão quebrar-se para, no instante seguinte, refazer-se, afinal, tudo não se renova sempre?
Uma espécie de dormência invade-me, como se, em minha existência, eu fosse a atriz coadjuvante, como se o meu mundo particular tivesse vida por si só...
Abrir os olhos pela manhã para enxergar o que me é palpável, o que é concreto e nem sempre pode ser real... Acordar para pisar o frio chão da vida costumeira, mas com o coração aos saltos por saber que, se acreditar de verdade, posso voar...

Por: Ana Carolina de Assis

- Um pouco de luz pra este blog -

Trato (I)Mortal

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Texto feito em parceria com Lucas L. Rocha

Tu te enxergas como uma fortaleza, rocha incapaz de quebrar. Acumulaste total prepotência, e agora, diante de mim, suplicas por um fio de ar para respirar. Ora, onde está a autoridade daquele que, por tantas vezes, fez questão de mostrar-me aos outros da pior maneira possível? Aqui estás, diante e perante mim. Esperando pela minha plena chegada, intercedendo pelo dissipar da dor que sentes. Entretanto, proporcionar-te-ei o veneno que espalhaste por tantas vidas: a morte.

Como dói tudo o que sinto! Não meu corpo, mas sim minha consciência. Todo o mau que causei parece ter voltado para mim de uma única vez, dilacerando minha alma em fragmentos incandescentes e cada vez menores, que corroem minha incômoda existência. Mas amo a vida, mesmo que tenha tirado tantas com essas mãos ainda manchadas de sangue. É por isso que peço: tenha piedade! Meus risos sádicos de prazer ao sentir aquele líquido rubro em minha pele não existem mais. Tudo o que sinto é arrependimento, e suplico uma nova chance para fazer tudo de uma outra forma.

Ora, o que achas que me levaria a livrar-te de toda a culpa e punição que deves receber? Nada. Não há perdão, meu caro. Tudo o que fizeste aos outros, agora, chega perto de ti. O riso sagaz, o prazer de ver o sangue manchar-te as vestes, a sensação de poder nas mãos... A autoridade ao ver a súplica patética da vítima. O gosto amargo do perigo chegará aos seus lábios, e eles secarão. Lembrarás de todos os males que fizera e, agora, perceberás a verdadeira intensidade daquilo que tanto desprezava. Porém, não se atordoe. Morrer é apenas abster-se da luz. Morrer não dói.

Não dói porque você já está morta! Veja bem e pense sobre o que você está fazendo! Não somos assim tão diferentes, somos? Na verdade, somos até parecidos demais. Muitas vezes fui você, e tive o mesmo prazer que agora você tem ao me atormentar. O que acha de, em lugar de tirar minha vida, fazermos um trato?! Serei você, trabalharei para você por quanto tempo for necessário. Será Morte, e eu morte. Seremos apenas um, lutando por um único ideal e propósito! Não é genial? Serei seu capacho, matarei qualquer um que ordenares, de um ínfimo mendigo ao presidente do país. Farei o que for necessário, minha doce e cruel inimiga. Só não me mate!

Ora, ora... Estás a me propor um trato, certo? Na verdade, devo confessar que me parece plausível e um tanto quanto tentador, ainda que eu prefira reinar plena e absolutamente. Mas, confesso, também, que a proposta de ser mandante me fascina e muito. Enfim, combinado, então. Serei Rainha e você, súdito. Farás as minhas vontades e trabalhos sem queixar-se, entretanto, não se esqueça: Estarás vivo, porém controlar-te-ei... – Sofrerás em minhas mãos tudo o que sofreram nas tuas... Farei da tua própria saliva, um veneno diário. Afinal, ainda que tenha aceitado o trato, tenho de me embebedar com o sofrimento alheio. Ossos do ofício. – Espere e verás o meu primeiro sinal. Não se exalte com a minha possível demora. Enfim, apenas espere. Hasta la vista, baby!

Espere! Antes que vá, apenas quero agradecer-lhe। Obrigado, senhora, e a partir de agora dona. Serei seu capacho, como bem desejas, e sei que irei gostar do novo trabalho. Agora, apenas uma pergunta: já posso começar?

Por: Julya Tavares - Prazer, a morte.


A Rosa dele

domingo, 14 de setembro de 2008
Ele preparou a terra, arou o solo, encontrou o lugar ideal, onde o Sol pudesse se expor na medida certa. Fez seus cálculos, afim de se situar em relação aos dias de chuva. Ele organizou seu material, agregou todo carinho e dedicação, e então plantou sua rosa.
As mudas foram regadas, iluminadas e muito bem cuidadas. Ele não se interessou pelas outras boas flores que aquela semente traria, desejava apenas uma, a qual considerava única. O dedicado agricultor a protegeu de todos os perigos destinados a uma flor. Afastou-a da chuva, dos fortes ventos, a escondeu dos excessos solares. Não deixou que insetos a tocassem, exceto dois ou três.
Ela cresceu. O agricultor, orgulhoso, admirava sua preciosidade crente e satisfeito com o que a mesma havia se tornado. Seu carinho e dedicação a fizeram, para ele, a mais perfeita de todas as flores. Ele a ensinou a se cuidar sozinha, quis mostrar-lhe as diferentes pragas que atormentam as flores. Ela se queixou, chorou e não quis escutar as doídas verdades ditas por ele. Ele a amava, acreditava naquela beleza simples e cativante. Ele sabia que, naquele instante em que se dedicou a rosa, realmente a possuiu. Porém, ainda que acreditasse na reprocidade da flor, tinha consciência de que, um dia, ela voaria com o vento.

"Foi o tempo que perdeste com a tua rosa que a fez tão importante." - O Pequeno Príncipe

Por: Julya Tavares (Para o meu pequeno príncipe)

A Massa

quinta-feira, 4 de setembro de 2008
Marcham enfileirados como animais.
Apressam-se, pois jamais podem se atrasar.
Vivem tensos. É proibido relaxar.
Atropelam-se e formam uma massa incandescente.
E como lava vão se arrastando;
Sendo levados pelos desdobramentos do caminho.
Ninguém pensa, ninguém sente; só vão seguindo.
Automaticamente.
Ninguém vê.
E em sua própria cegueira acabam por turvarem-se a si mesmos.
Todos sobrevivem, ninguém vive plenamente.
Ninguém se alegra com as flores a desabrochar.
Ninguém sequer notou que a lua está cheia.
Já não se pode enxergá-los com nitidez;
Tamanha confusão empoeirada que formam.
Não são mais pessoas. São só o povo.

Por: Ana Carolina de Assis

A Queda

segunda-feira, 1 de setembro de 2008
Eu já fui mau sem saber. Os fiz sentir dor, sede, frio... Tirei deles o abrigo. Matei-os sem querer. Quis explorar suas riquezas, entender de perto suas dores. Eu quis acabar com suas vidas. Busquei o que a mim não pertencia, roubei o que a mim não cabia, briguei pelo que não me fora concedido. Feri a inocência dos desprovidos de proteção. Eu enfrentei gigantes sem poder, destruí castelos que jamais serão erguidos. Eu mudei as escrituras, questionei os dogmas. Eu quis inverter o certo. Quebrei as imagens, escarneci os justos, zombei dos seguidores da lei. Eu apedrejei o anjo que vi. Quis ser o criador, quis reinar plena e absolutamente. Eu impus minhas regras por maldade e prazer. Exaltei a minha personalidade, fiz do coração dos outros o meu lugar de direito. Eu criei uma devoção incoerente.
No entanto, não houve sangue derramado que fizesse ter valor as minhas regras. A tirania gera revoltas sangrentas, dolorosas, irreversíveis...
O meu império desmoronou e, agora, me surpreendo tentando entender o sentido de tantos erros. Lamentar-me e implorar perdão é o que sei, porém não me iludo, esperando resultados eminentes. Então, desespero-me ao escutar o som estrondoso do silêncio... A liberdade foi a única regra que eu não soube impor.



Por: Julya Tavares.