21 de janeiro de 1969, quarta feira

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009
Era verão e o dia amanhecera lindo na cidade de Santa Ísis. A manhã se apresentou embelezada por uma névoa que mais parecia um tapete persa de cor branca. A maquiagem matutina era só mais um sinal de que o dia seria bastante quente. As altas temperaturas eram uma tradição naquela época do ano. O dia 21 de janeiro era marcado pelo início da temporada de chuva e término do período de seca. A padroeira, que tem o nome destinado à cidade, foi assim homenageada devido à estação em que estão marcadas as datas de seus milagres. Na época em que Santa Ísis era viva, a cidade do Sertão nordestino mostrava-se em tempos de seca, principalmente nessa época do ano. Foi onde, no dia 21 de janeiro, aquela mulher trouxe as estações de chuva de volta àquele lugarejo.
Logo que cheguei à cidade, deparei-me com as ruas já abarrotadas de atividades. Crianças aproveitavam o recesso escolar, enquanto os demais, adultos, expunham seu comércio a fim de arrecadarem sua renda diária. A cidade era pequena, mas, conforme a hora se passava, mais gente aparecia. No centro da cidade, próximo à praça, via-se barracas, quitandas, crianças, compradores, vendedores... Todos escravos de suas tarefas cotidianas. Ali, vendia-se de tudo. Havia, também, um chafariz enorme, onde as crianças se banhavam.
Eu morava em Palmares, cidade próxima a Santa Ísis. Eu me mudara para o lá há cerca de seis meses, devido a uma boa oferta de trabalho no jornal da cidade. Apesar da proximidade, nunca havia visitado Santa Ísis, até receber a oferta do meu patrão para fazer uma matéria sobre a festa da padroeira, na presente data. Aceitei o presente - pois foi assim que recebi a proposta - imediatamente.
A minha avó paterna fora nascida e criada na cidade visitada. Quando eu e meus irmãos éramos pequenos, lembro-me de que, na data da comemoração, ela nos sentava na varanda, diante de uma mesa cheia de bolos, pães e doces, e nos contava sobre sua cidade natal. Meus avós saíram de Santa Ísis logo após o casório, foram para a cidade grande em busca de melhores condições de emprego. Ao falar de sua tão amada cidade, a minha avó se deliciava com as lembranças. Era como se comesse algo de que gostasse muito e não o fazia há tempos. A cada lembrança, ouvia-se um suspiro singelo vindo de seu âmago. Ela degustava tudo aquilo com tanto gosto que, a cada ano, eu tinha mais vontade de conhecer aquele lugar. "- (...) as crianças se fantasiavam e os adultos faziam quitutes vistos apenas naquele dia do ano. A parte mais bonita era a hora da procissão. Toda a cidade jogava flores e mais flores na imagem de Santa Ísis (...)", ela dizia. Durante toda a minha infância, eu sonhei com aquela festa.
Para aproveitar o dia, perambulei por toda a parte que pude da cidade. Fotografei desde o ponto turístico, até a flor rara a qual eu não conhecia. A cidade estava movimentada, mas não havia sinal algum de comemoração, nem mesmo alguma faixa anunciando a, até então, tradicional festa. O relógio da catedral anunciava o início da noite. Eram seis horas da tarde e nada. Foi então, que eu decidi perguntar a alguém sobre a tradição daquele dia. Havia um senhor varrendo a sua calçada. Ele tinha o olhar triste, um jeito fechado, abatido. Parecia ter trabalhado muito no dercorrer de sua vida. O homem me informou que o representante do governo daquela cidade, havia vetado a verba para a festa, além de negar a autorização para mesma. Eu me apressei em viajar no próximo ônibus com destino a Palmares. Estava bem cansado. Me acomodei na poltrona e dormi (...)

Acredita-se que a autorização da tradicional comemoração foi recusada por um militar que se diz protestante. Sendo assim, homenagear uma santa é totalmente contra os seus princípios. Além disso, o governo militar anunciou, em cadeia nacional, o decreto de mais um Ato Institucional, o qual dava plena liberdade e autoridade à ditadura, sem qualquer interferência constitucional.

Caros leitores, convido-lhes a pensar sobre a história que se prestaram a ler nesse momento. Peço-lhes que perguntem a si mesmos o que eles querem conosco? O que esperam do nosso país? Tratam-nos como crianças levadas, que precisam ser colocadas de castigo, enjauladas e privadas de questionamentos. Aviso-lhes, pois, que crianças crescem. Crescem e querem saber os porquês dos castigos, e isso não tarda a acontecer.

Pedro Ubaldo Carneiro, 22 de janeiro de 1969

Prólogo
22 de abril de 1969, segunda feira.
(...) O jornalista Pedro Ubaldo Carneiro, redator do jornal Folha de Palmares, foi encontrado morto, três meses após ter publicado um desabafo às autoridades, no término de sua matéria. O colunista foi encontrado num terreno próximo à cidade de Santa Ísis, interior da Bahia. Supõe-se que o rapaz tenha sido preso dias antes, pois não sabia-se de notícias do mesmo. O corpo será velado no cemitério de sua cidade natal, às dez horas da manhã.

FONTE: O Nordeste, 22 de abril de 1969

"Caminhando e cantando e seguindo a canção. Somos todos iguais, braços dados ou não..." ♪

Por: Julya Tavares (:

2 comentários:

Ana Luísa Guimarães disse...

Deveras, ontem não foi o melhor dia pra eu ter lido.
AHHH. Não sei se o problema era a tontura ou a miopia, de qualquer forma, a cor do fundo do blog e cor das letras deixam o texto mais confuso (ou talvez é viagem minha mesmo):p
ENFIM, ENFIM...
O texto tem impacto, é inteligente, não me cansou ler.
Mas tu sabe, Metade, prefiro as rimas de amor. E ainda as espero.

Ana,Gabi & Lívia disse...

Ditadura.Apesar de toda tristeza que esta causou,é incrível saber que houve um tempo em que as pessoas realmente brigavam para defender suas ideias,sabendo que se pegas,seriam punidas,torturadas e mortas.Faziam o que lhes fossem cabível para mudar o que não era aceitável.Dá orgulho de saber que sou parte de uma nação como esta.Envergonho-me de saber tão pouco sobre a mesma.Viva la revolution!