Fotografia

domingo, 24 de agosto de 2008
Era apenas mais uma noite de inverno. Fez mais frio do que o esperado naquele ano. Diante da janela coberta por gelo e sereno, um homem – no qual não me foi revelada a identidade - recordava-se de sua vida, inspirado por uma fotografia moldada num porta-retrato prateado, situado na mesa de cabeceira.
Aquele homem vivia sozinho há algum tempo, porém jamais sentira-se tão só como naquela noite, ela parecia mais sombria do que nunca. Os flocos de gelo pareciam-lhe excessivamente barulhentos, e a lua insistia em se esconder.
Diante do retrato, o homem não se reconhecia. Aquele jovem bonito e feliz já não existia em seu íntimo, fora destruído pelos vícios atraídos pelo dinheiro. E nada lhe fazia entender o motivo de vazio e solidão. Tudo aquilo que um dia lhe fez feliz e motivado já não se fazia presente naquilo que ele chamava de vida.
Já era madrugada e não mais nevava. Entretanto, a cena que eu via naquela janela era congelada. O homem, dessa vez, fitava suas mãos, avaliando a velocidade daquele tempo que tanto o castigara. Pensou nas coisas sem fundamento que fizera e então chorou por um tempo considerável.
Era apenas mais uma noite de inverno. Fez mais frio do que o esperado naquele ano.
Aquele velho homem ajoelhava-se aos pés de sua cama e fazia suas preces, como de costume. Então, deitou-se na cama quente que o esperava, agarrou-se ao porta-retrato que tanto lhe significou naquela noite, cobriu-se e fechou os olhos mais uma vez. Pela última vez.

O primeiro de muitos. (:

Por: Julya Tavares

Observar desconhecidos

sábado, 23 de agosto de 2008
Ele tinha uma vida, mas quem se importava com isto?
Um dia, tivera mulher, filhos, toda a felicidade que alguém poderia desejar.
Mas agora ele não tinha nada.
Cansado do mundo; só, em meio a esmagadoras multidões.
Ele observava-os. Gostava disto. Não tinham nome, nem rostos definidos. Pareciam tão confiantes, tão alegres, tão cheios de si... Mal sabiam eles - Pensou com amargor. Mal sabiam que a cruel vida podia dar e tirar com tanta facilidade. Mal sabiam que um caminhão numa curva e uma batida podiam acabar com a vida de um homem. Mal sabiam os pobres alienados - Riu-se ele enquanto, mais uma vez, acabava com uma garrafa de uísque barato, sentado na sua tão habitual cadeira de bar.
Já era noite, muitas daquelas criaturinhas voltavam para casa, de suas labutas. Ele entrou num ônibus qualquer,sem destino algum, cabaleante e com um ar fétido de suor e álcool. Todos torceram o nariz... Coitadinhos. Sentou-se no último banco, no canto, e mergulhou num sono profundo. Foi para o único lugar onde a amargura era menor, onde ele podia entregar-se à doce utopia, onde sua família estava: nos sonhos.
Então a Ana entrou no ônibus, pensando no seu vestibular pela frente. Acomodou-se ao seu lado. Devaneando como sempre, nem notou a sua presença. Mas então ela o viu, quase chorou. Ele babava muito e fedia. Ela sentiu os olhos arderem de compaixão por aquele homem em estado deplorável. Queria acordá-lo, ajudá-lo de qualquer forma possível. Mas ela havia chegado ao seu destino. Ao contrário dele, ela tinha um. Conformou-se, assim, em não poder salvar o mundo. Foi para a sua cama bem quente, afinal, a Ana tinha mais o que fazer além de observar desconhecidos.

Por: Ana Carolina de Assis.

P.S.: Baseado no meu tão imprevisível cotidiano.

Levante

sexta-feira, 22 de agosto de 2008
E então declarou-se a revolução.
Ouviu-se falar de um povo lutador, de uma gente sedenta, embriagada... De revolucionários fiéis aos seus ideais.
Houve faixas, gritos, protestos.
Houve o argumento de uma população ignorante em suas atitudes, porém incontestável em sua fúria e anseio por mudanças.
Houve mortes, guerras, disparos.
Ouviu-se um grito de basta, um grito de dor, um estalar irreversível.
Uma morte indolor que invade o peito daquele que cometeu o crime de lutar por seu país, uma arma que cospe fogo sem se interessar pelo alvo, uma mãe que chora sem saber por que o sangue jorra do peito de seu filho. Um adeus que brota em seus olhos.
Ouviu-se falar de um levante, de um grito de socorro. Escutou-se o som de vozes e o pulsar de corações valentes...
Esbraveja, agora, o fim da revolução. O brado de vitória daqueles que fizeram de suas vidas e corpos o espelho de uma nação que, apesar de tudo, acreditava no bom, no justo e no melhor do mundo.


"Lutei pelo bom, pelo justo e pelo melhor do mundo" - Olga Benário Prestes

Por: Julya Tavares

A Companheira

quinta-feira, 14 de agosto de 2008
Chegou em silêncio. Conviveu com ela como um ladrão à espreita.
Observou-a. Conheceu-a como nem ela mesma o fazia. Sondava-a. Aparentemente, a vida daquela mulher era perfeita. Dinheiro, fama, companhia, o que mais alguém poderia querer? Eu digo o que: paz.
Ela sorria com os lábios, mas nunca com o coração. Relacionava-se com pessoas que não tinham idéia de quem ela deveras era.
Não mais dormia. Passava as noites em seus doces lençóis de seda fitando o teto, fitando o escuro. Escuridão esta que a preenchia por completo. Bem- sucedida em seu mundo da moda, a estilista demonstrava grande inteligência, mas não a sabedoria necessária para ser feliz.
Então, numa ensolarada manhã de primavera, que sucedeu mais uma noite perturbadora; aquela que habitava a sua casa há tanto tempo a fez lembrar-se dos remédios que comprara com seu poderoso cartão de crédito.
Ela desistiu de si mesma, viver não fazia mais o menor sentido, não valia o sacrifício da solidão. Tomou as pílulas e deu a mão à sombra negra que a acompanhava há tanto tempo: a morte.

Por: Ana Carolina de Assis

P.S.: Meu Deus, o que está havendo com os meus devaneios coloridos?

Sair de Si

domingo, 10 de agosto de 2008
É como sair da realidade, e caminhar por um lugar jamais visto.
É como refugiar-se no irreal mundo agora descoberto.
É ter a sensação de satisfação ao realizar o impossível.
É encontrar pelo caminho desconhecido alguém que já acompanha a sua realidade.
É também reconhecer um caminho ao lado do alguém nunca visto.
É sentir uma felicidade que não há.
É sentir uma tristeza inexistente.
É ter sensações reais em um mundo desconhecido.
É encontrar nos olhos fechados a saída para os problemas, e, no tapete da porta ao lado, a chave que nos leva ao que realmente importa...
Sonhar é acreditar na capacidade de sentir, é se agradar do momento único, é poder acreditar na imaginação... Sonhar é acordar disposto a enfrentar a realidade.

"Sonhar não custa nada, sonhar e nada mais... De olhos bem abertos..."

Por: Julya Tavares

Sequidão

sábado, 9 de agosto de 2008
Acordou sentindo a gosma pegajosa que o prendia ao chão. Tentou abrir os olhos, mas ao seu redor só havia a escuridão. Sentiu o peso de um sentimento que até então desconhecia: o medo.
De repente, uma forte luz preencheu todo aquele fétido lugar. Então ele viu, mas teria preferido a cegueira. Ao seu redor, animais asquerosos: ratos, baratas se alimentavam de mil detritos. Estava jogado em meio ao lixo. Havia também lixo humano: entorpecidos, pensavam estar em verdes campos, mas a figura que apresentavam era lamentável: corpos em decomposição e olhos vidrados que só demonstravam almas vazias.
Ele desesperou-se. Tentou gritar, em sua garganta só a mudez prevaleceu.
Acabou destruído pelos erros que cometeu por toda a vida. O empresário bem-sucedido não tinha poder algum agora. Faleceu naquele beco imundo, trinta segundos após abrir os olhos para a sequidão em que viveu; só agora molhada pelo sangue que lhe jorrava do peito.

Por: Ana Carolina de Assis

Obs: Quem é a melosa agora? Quem?

Traduzindo o Silêncio

terça-feira, 5 de agosto de 2008
Meu amor, de mim nada mais sei, só sei de ti: que a ti quero tanto... Tanto que ao fitar o infinito que preenche os olhos teus, perdi a fala; assim não pude confessar-te a angústia que me acomete por causa tua.

Ora, é do tipo romântica, então? Como nunca pude perceber? Por trás desses olhos escuros e questionadores, uma mulher apaixonada vive! O que mais me surpreende é que seja apaixonada por mim... quem diria! Uma mulher tão inteligente e cheia de argumentos, apaixonando-se por alguém como eu, um reles mortal que nunca irá atingir um décimo de sua inteligência; que nunca conseguirá falar coisas bonitas como essas e nem mesmo me declarar apropriadamente... na falta de palavras melhores, é com simplicidade que digo: Te amo! (Ou seria “Amo-te”? Desculpe, nunca prestei muita atenção nas aulas de português...)

Pois saiba que por ti perdi noites inteiras, na ansiedade de te ver novamente. Não sabes o quanto és grandioso em tua simplicidade. Encantas-me e alegras os meus dias, fazendo-me crer que a felicidade está a um passo de nós. Amo-te pelo que és, por tua essência e por ter-me devolvido a cor à vida.

A partir do momento em que coloquei os olhos em você, tudo dentro de mim pareceu mudar: nasceu uma necessidade de me fazer interessante a você. A minha sorte com mulheres me fez perceber que nunca fui o tipo belo, mas sempre usei de artifícios para conquistá-las (artifícios baratos, diga-se de passagem). Mas não com você. Não consigo fazer nenhuma piada quando você está entre os ouvintes. São péssimas, e você não gostaria delas. As palavras param na minha garganta e voltam ao seu lugar de origem. E, enquanto elas não tomam coragem para sair, uso essas letras silenciosas para expressar o meu amor.

Por muitas vezes falei sobre o amorPalavras vazias para mim, baseadas no que ouvi por aí. Ao te ver, tudo o que eu disse até hoje fez todo o sentido. A alegria que sinto é incomensurável. Estranhamente, ao te encontrar, encontrei-me. E agora estou plena.

Suas palavras me fazem refletir sobre quem sou. Sabe, é uma coisa estranha. Parece sempre que sou um outro alguém quando penso em você. Gosto desse novo eu. E ele gosta de você. É exatamente igual a mim, só que... melhor. Ele não raciocina friamente. Não toma paixões por códigos binários nem sonhos por simples distúrbios da psique humana. O novo eu é bom. Ele ama. Ele ama você.Ora, vamos nos esquecer das palavras por um momento? Elas são prolixas demais! Sejamos silêncio. Deixemos a paixão falar.

Por: Ana Carolina de Assis & Lucas L. Rocha